Brasília, 14 de setembro de 2020

 Eu fico pensando até as três da manhã, remoendo e mastigando meu passando e meu presente, passando cenas na minha cabeça, e não sou capaz de dormir. Às oito horas já é outro dia - hoje vai ser melhor - é minha promessa há algum tempo, e continuo dia após dia enganando a mim mesma. Ao anoitecer eu repito pra mim que amanhã será melhor, e espero os dias passarem. Me concentro em sobreviver, um dia por vez, sem nenhuma visão do que pode ser o meu futuro ou o que me aguarda na semana que vem, sem nenhum propósito a não ser o de ficar viva, aguentar mais uma semana até que eu tenha que aguentar mais outra semana. 

Despejo palavras em todos, numa tentativa frustrada de fazê-los entender como é ser eu, como é sentir-se como me sinto, mas a verdade é que, por mais que minhas palavras pareçam bonitas e às vezes emocionantes, não há quem compreenda a profundidade da água em que mergulhei, e nela eu estou afundando lentamente. Imploro por ajuda, mas não há quem possa escutar meus gritos abafados, não há quem me salve. Meus dias estão acabando. 

Por favor, me ajude Dr Hassan, eu repito a cada encontro. O remédio, diz ele, um de manhã e um à noite, e você vai ficar bem, mas ele não consegue enxergar através dos meus olhos, e evito que olhe dentro deles. Ele não sabe nada sobre mim, pra ele sou um conjunto de sintomas, um gene ruim, com um histórico familiar ruim, sou uma doença. Ele se ao menos lembra do que contei a ele, quando me desfiz em muitos pedaços na sua frente?  Sou um número, mais um paciente durante o mês, quantas pessoas como eu ele vê todos os dias, e de quantas ele se lembra? Em quais ele particularmente se pega pensando e se preocupando de madrugada e, se nenhum de nós, quem pode nos ajudar? Quem pode ma curar?

Por favor me ajude, "fique tranquila, você vai ficar bem, eu confio em você". Não estou melhorando, há anos estou afundando no oceano frio, frio como eu, como foi que me tornei isso que eu sou, quando deixei de ser uma menina de verdade? Estou presa na minha cabeça, e convencida de que foi Platão que me meteu nisso com seus devaneios estúpidos. Pensar demais é meu fascínio, mas minha destruição, era feliz em minha inocência, e com minhas memórias fragmentadas. Pobre menina, não sabia o que estava por vir depois. Estou presa na minha cabeça, e não consigo sair. 

Você está pálida, dizem. Você está magra, dizem. Você parece cansada, dizem. Mas não notam que estou morrendo, mais próxima do chão a cada dia nessa queda livre. Queda livre por toda a vida.

Sinto saudades de ser adolescente, minha vida parecia mais divertida, mas isso é outra mentira que conto a mim mesma. Pulei do abismo, e não posso voar. Os medicamentos me mantém viva, mas não me sinto viva. Até quando serei sustentada por um monte de drogas? Um de manhã e um de noite. Não era isso que eu planejava  para meu futuro, para minha vida. Oh não, pensando muito de novo, sentindo meu coração bater mais forte e faltar ar. Eu vou morrer imediatamente, tenho certeza. Mas não morro.

Como pode ser? Se fiz tudo certo, até saí de casa hoje, liguei pra minha tia e até almocei. Como posso estar me sentindo assim, o que eu fiz de errado? A lamotrigina, eu já tomei, um de manhã e um de noite, Dr Hassan, o que está acontecendo comigo? Eu vou morrer?

Por que? Por que eu continuo caindo no abismo, indo e voltando do céu ao inferno?

Quando pulei do abismo, achei que morreria aos dezoito. Era meu quase plano, e eu falhei. Acordei, bem viva, sem saber o que fazer a seguir, só planejei até ali, e desde então não sei o que fazer. Estou morrendo, mas minha morte tem sido tão lenta, tão dolorosa. Lamotrigina, um de manhã e um à noite, um clonazepam quando estiver em crise. Doutor Hassan, vivo drogada, por que não melhoro nunca? Quando eu virei o Kurt Cobain? 

Estou quebrada, sou como um objeto que veio com defeito, e não há conserto. Estou despedaçada e já não suporto o peso que carrego de despedaçar todos que se aproximam de mim.

Um de manhã, um à noite, mil ideias, zero empolgação, eu me apaixonei pela tristeza e o relacionamento é conturbado desde o início. Continuo sangrando, pedindo ajuda, afundando e ninguém pode me salvar. 

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