Mais uma carta pra você

 Para senhor Fulaninho, porque eu não gostaria que se tornasse óbvio que é sobre você. Mas é claro que você vai ler e saber que é sobre você.

Eu te amo com cada pedacinho meu, com toda intensidade que há em mim. Parecem palavras vazias quando as escrevo ou mesmo quando as digo, de saturadas que já estão; todo mundo diz essas coisas o tempo todo, e o fim chega. Mas esse não é o ponto aqui. Você também já me disse essas coisas, e a gente também chegou ao fim, mas, como posso contar isso para o meu coração? É triste como a vida se desenrola, e como desenrolou principalmente pra nós dois.

Eu te amei com minha alma desde a nossa primeira conversa. Eu me apaixonei sem perceber, te achei lindo, e isso soa superficial. Mas você era a própria renascença pra mim; lindo, inteligente e muito cortês: eu nunca conheci alguém tão gentil. Eu nunca conheci alguém como você. Todos os outros eram uns idiotas pra mim, não havia quem chegasse aos seus pés em nenhum nível. 

Te quis só pra mim. 

Te quis infinitamente.

Morria de ciúmes: eu odiava qualquer um que se aproximasse de ti, e não era exagero - eu temia que você me deixasse, me trocasse ou que simplesmente enjoasse de mim, ou ainda quem sabe que você descobrisse que eu não era lá tudo isso e que você merecia mais.

Um dia você me pediu em namoro. Mas não era óbvio que eu queria? Minha resposta foi um "sim" quase que cantado, desesperado. Era sempre "sim" pra você, e tudo em você me atraía: a conversa, a voz, o olhar, o cheiro, os cafunés, os beijos e as piadas horríveis, cada segundo contigo era precioso, cada dia era o melhor da minha vida, e agora eu já não o amava mais, eu o adorava, e absolutamente tudo em mim era sobre você, tinha que ser sobre você. Eu usava um perfume doce porque você algum dia elogiou, eu usava o cabelo arrumado de um jeito que eu sabia que você gostava mais, eu escolhia minhas roupas pensando sobre o que você ia gostar, e isso não é sobre abuso, porque afinal você nunca me coagiu a usar isso ou aquilo. Você se tornado o centro da minha vida, o âmago do meu ser.

Eu? Não sei. Eu me perdi no seu amor, nem me sentia mais como uma pessoa, e não fazia importância. Meus desenhos, minhas pinturas, minhas músicas e meus textos eram todos sobre você, de um jeito, de outro, colorido, de costas, de cabeça pra baixo, era como tirar inspiração de uma fonte infinita: tão infinita que até hoje ainda jorra, porque eu ainda falo muito de você através da arte, mesmo sem que você saiba. Ou talvez você saiba. 

Eu era e fui o ser humano mais feliz do mundo ao seu lado. Me aventurava com você e em você, minha mão encaixava perfeitamente na sua como em um clichê adolescente dos anos 2000, e nossas bocas também encaixavam perfeitamente, como se houvessem sido desenhadas para isso. Sua voz de veludo era meu som favorito. Você pode até encontrar alguém que te faça feliz hoje, mas Deus não vai te deixar mentir dizendo que é o amor da sua vida ou algo assim, porque no fundo você sabe que essa pessoa era eu, e que você foi inteiramente feliz comigo ao seu lado até então. Você sabe que tudo que você era pra mim, eu também era pra você. Eu sei que minha voz era seu som favorito também, tive certeza disso todas as vezes que você me ligou me pedindo somente pra cantar qualquer música besta pra você. Você sabe disso, meu anjo. Eu era o amor da sua vida e você o meu. 

E aí que tivemos uma crise. Uma crise chamada Transtorno Afetivo Bipolar. Eu ainda não sabia nada sobre isso, mas eu sabia que tudo estava mudando rapidamente, e vim a descobrir de que não havia o que eu pudesse fazer para a tempestade passar. A tristeza me consumia, surgiu um buraco dentro de mim, um vazio inexprimível que nada supria, e aumentava a cada dia que passava. Aquela menina sorridente que era como o verão, havia desaparecido, e colocaram um zumbi em seu lugar, eu me sentia sem vida ao mesmo tempo em que tudo era mais intenso pra mim, e conflitante. Me sentia vazia e fria mas cheia de emoções a flor da pele, e tudo ao mesmo tempo, principalmente a raiva. E então eu te amava mais intensamente do que antes, e eu sei que pra você aquilo era sufocante, de repente eu não tinha mais controle sobre a minha vida, e eu tentei - eu juro que eu tentei - mudar. O que eu mais queria era voltar a ser como eu era antes.  Minha condição era desgastante, eu estava visivelmente doente e precisando de ajuda.

Quando eu me feri pela primeira vez, senti um forte alívio daquela angústia que trazia comigo, mas foi momentâneo. Doeu muito mais quando você me chamou de idiota por ter feito aquilo, mas não te culpo jamais: você tinha seus 16 anos e não tinha obrigação de saber como lidar comigo naquele momento, se nem mesmo quem tinha essa responsabilidade não soube como lidar. Aí que você não me ajudou, nem você e nem ninguém, e aquele furacão que me tornei afastava tudo e todos, inclusive você, e então era minha vez de não saber lidar com aquilo, despejava tudo em você e ficava na esperança de que você me resolvesse, a coisa mais inútil do mundo. Vi você se afastar a cada dia, eu sabia que você não me suportava mais. 

Pensei em tirar minha vida, muitas e muitas vezes, mas mudava de ideia tão rapidamente que nem mesmo tinha tempo para planejar alguma coisa que fosse o suficiente para me levar daqui. Me apavorei com a suposta ameaça de te perder, e bolei muitos planos para manter você na minha vida. 

Te assustei, meu amor?

Eu te ligava todos os dias, sete dias por semana, e passava horas e mais horas conversando com você, e nunca era o suficiente, até hoje não sei de onde eu arrancava tanto dinheiro pra colocar crédito no celular. Um dia, no meio de uma ligação onde tudo corria aparentemente normal, você me disse: 

- Adriane, acho melhor a gente dar um tempo. - e eu não tive reação, aquilo era devastador. Eu desliguei o celular, e instantaneamente te exclui de todas as redes sociais. Iria fingir que nunca te conheci, achei que fosse o único jeito de superar isso. Foi o nosso fim, durante um dia inteiro, até você se arrepender e pedir para voltar. Ao que parece, eu sou difícil demais de largar. Eu voltei com você, e fingi que aquilo não tinha acontecido, era melhor pra mim mesma. 

Você me escreveu uma carta pela primeira vez, e eu amei com força, Já estávamos juntos há quase 2 anos, te comprei presentes e mais presentes, sempre buscando seu sorriso no final, e nunca te pedi nada em troca, mas sempre ganhava de volta. Tínhamos computadores e celulares mas escrevíamos cartas e mais cartas, coisa nossa. Eu não queria mais nada de você além de você mesmo. 

Tudo ia bem, nada ia bem, eu ficava pior e pior, e pior. Mais e mais melancólica, mais e mais psicótica. E mais distante, física e emocionalmente. Foi nesse tempo que você decidiu que a distância era um problema entre nós. Me magoou muito, você sabia muito bem que eu largaria tudo pra trás pra ficar com você, sem nem pensar duas vezes. Não deixaria nada nos separar. Te convenci esperar dois anos, era tempo o suficiente pra que eu terminasse a escola e fizesse dezoito anos, e assim fosse adulta, e nós dois faríamos faculdade na mesma cidade, foi o que você me prometeu. Era nosso plano. 

Deus sabe quantas noites eu chorei por estar longe de você, foram muitas e incontáveis. Eu sei que você também chorou, nada em Curitiba era bom o suficiente pra mim porque lá não tinha você. 

Um dia você me disse que não aguentava mais aquilo, que não dava mais pra você, era muito pesado pra carregar, eu, meus problemas, meus surtos, minhas crises de raiva, a distância. Me disse que via casais andando de mãos dadas na rua e sentia vontade de chorar, porque estávamos longe um do outro. Disse que precisávamos terminar. E tudo bem, não posso forçar você a me amar. Ou talvez eu pudesse, mas não tinha certeza se era isso que eu queria. 

Terminar com você, docinho, foi como uma facada, enquanto eu pegava fogo. Tentei te substituir de várias formas, o eu lugar ninguém podia ocupar. Nesse tempo eu conheci um menino através de uma amiga, muito simpático e divertido. Ele se apaixonou por mim no primeiro dia, e eu só sentia por ele simpatia, mas não queria ficar sozinha. Quando ele me disse que era apaixonado, eu menti e disse que também era - e essa é de longe uma das piores coisas que já fiz com alguém, porque eu sei que ele me amou de verdade. Ele fugia da casa dele pra me ver, levava whisky e bebíamos com refrigerante. Eu menti pra mim mesma, tentei mesmo fazer aquilo virar uma história bonita de amor, como tinha sido a nossa até então. Mas ele era como um amigo, um amigo que eu beijava, mas um amigo. Um amigo que me apresentou o álcool. Ao mesmo tempo em que isso acontecia do lado de fora, por dentro era um caos ainda mais poético e destrutivo. Eu era uma menina de 17 anos que não dormia, não comia, só bebia e fazia besteira, tudo isso tentando suprir um vazio emocional, uma carência. Eu já não sabia o que a palavra "equilíbrio" queria dizer. Fiz dez mil amizades, e nenhuma delas era profunda o suficiente; não era como se todos fossem idiotas superficiais porque não o eram. Cada pessoa era incrível de um jeito diferente, mas nenhuma delas era você. Era esse o problema. Quando te perdi, um pedaço imenso de quem eu era foi junto, queria me desvencilhar da imagem de "namorada do fulaninho" e virar alguma coisa e nada ao mesmo tempo. Toda minha identidade se perdeu no espaço, tinha a ver com você, com minha mãe, com alguém que me machucou no passado, e nunca comigo. Meu cabelo imenso e natural sempre foi meu cartão de visitas, até eu me livrar dele, alisando e pintando de vermelho, e a Drica já era. Não existia mais eu, era um conceito perdido, como uma pedra filosofal que ninguém nunca viu. Me transformei em um chaveiro dos meus amigos, andava com eles, falava como eles, agia como eles e pensava como eles, e todos os pensamentos faziam força para se desviar de vir a pensar em você ou a qualquer coisa que me remetesse a sua pessoa, e nada disso tapava o enorme buraco que você deixou em mim. No entanto, era minha especialidade fingir estar ótima sem você, e você chegou a acreditar nisso. Até que eu finalmente desabei, um dia ouvindo música na sala de casa, sozinha, só eu e meus fantasmas. A tristeza corroía por dentro e me lembrava muitas coisas, mas sempre voltava pra você, como um bumerangue mental. Nem celular mais eu tinha, muitos acasos e casos me levaram a perder a liberdade. Peguei o telefone da minha irmã e te mandei umas mil mensagens pedindo desculpa por tudo que te causei, principalmente pelo sufoco e algumas mentiras que contei, e pelas vezes que tentei fazer você ficar com ciúmes pra que eu pudesse me sentir mais amada - um comportamento mais tóxico que o outro. Eu não estava esperando que você me aceitasse de volta, tudo que eu queria era o seu perdão, e assim eu ficaria em paz; pelo menos era isso que eu estava pensando. Juro que imaginei que você nem fosse me responder de qualquer forma, mas a resposta veio apenas algumas horas depois, me dando não somente o perdão mas também uma nova chance. Fiz muito mais esforço para mudar depois daquilo, era uma redenção completa pra mim. Você me pediu para cortar algumas amizades que na verdade eram ruins pra mim, e assim eu fiz; eu não queria vacilar com você outra vez. 

Docinho, você havia se tornado mais carinhoso do que era antes. Pra que isso? Eu me apaixonei de novo, com mais força que da primeira vez, e minha vida ganhou novas cores. É pra sempre, eu pensava, ele é o amor da minha vida, Tive certeza. 

Te amarei pra sempre. 

Mas nenhuma alegria dura tanto comigo, era isso a verdade. E um dia a tempestade caiu.

"Precisamos conversar" já me deixou nervosa o suficiente, mas o que veio após foi a pior coisa que já ouvi:

- eu não te amo mais.

Meu Deus. Meu castelo de areia desabou completamente, junto comigo. Eu morri. Implorei para que você não me deixasse, mesmo sabendo que não me amava mais. Me sinto uma otária pensando sobre isso, o quanto me humilhei por amor. Você aceitou ficar comigo e até hoje eu não sei o porquê. Talvez por pena ou algo assim. Me senti horrível todas as noites, sabendo que eu estava vivendo um relacionamento do qual só eu fazia parte, amava sozinha. Arrumei um emprego fixo e voltei a beber, sem que você soubesse, mesmo que talvez não fizesse diferença, pois se você já não me amava, por que se preocuparia comigo?  

Nesse tempo, alguém me ofereceu um cigarro. Que estupidez a minha ter aceitado a primeira vez, mas mais estupidez ainda por ter aceitado uma segunda vez, se na primeira eu odiei e me engasguei. Cigarro mata, e morrer talvez não fosse tão ruim naquela situação de desamor. Eu não aguentava mais. 

Fiz uma carta: uma longa e pontuada carta, contando tudo que eu estava sentindo e tudo pelo que eu estava passando. Não era uma carta de suicídio, se é isso que você está achando, mas era uma carta de despedida. Ela começava com a ilustre frase "quero terminar com você", assim seca e sem rodeios, papo reto. Desvios eram algo que eu não estava mais gostando, queria coisas fáceis., mas um término nunca é fácil, mesmo quando uma parte não ama mais. Entreguei a carta em suas mãos para que você lesse e eu então não precisasse falar, porque se fosse para te falar eu não conseguiria jamais fazer aquilo. Você deveria ser o amor da minha vida mas então não era, porque se fosse jamais teríamos chegado aquele ponto humilhante, e aí que você queria conversar. Tornando tudo muito mais difícil pra mim, terminamos em alguns minutos e ficamos horas depois ainda conversando e rindo. Por que você era assim? Pra que tanto sangue de barata? Estava dilacerada enquanto você passava a imagem de tranquilidade -  eu ainda te queria, e queria pra sempre, mas mentir naquele momento era fundamental  para não piorar ainda mais as coisas. Havia entendido que amar sozinha não era saudável, peguei meus lápis e fui embora. 



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