O início da últimas poesias

2014, 29 de Abril, Curitiba - Paraná 

Eu vim por todo esse tempo acreditando em coisas que parecem estar tão longes daqui, demasiado distantes de mim. 
Todo esse tempo neguei as verdades mais óbvias, neguei o único sentimento que poderia fazer surgir em mim alguma esperança. Hoje eu o aceito, porque bem sei que é isso o que me mantém viva, no entanto, ainda estou ferida, e dentro de mim algo berra, dizendo que jamais serei restaurada. Mas sei que não é verdade.
Eu matei, e com minha própria espada, fui morta. Destruí com palavras, tentando lançá-las contra qualquer um que ameaçasse sequer olhar para minha face, e assim as atirei em um espelho, quando olhei dentro de meus próprios olhos com a cólera que sentia de tudo e de todos. Mas aquelas palavras, ásperas demais até para a pessoa que vos fala, estilhaçou minha imagem, e o impacto causado as fez volver bruscamente em minha direção. Aquelas frias palavras quebraram o vidro, e não mais pude ver-me a face. Eu me olhava em poças d'água, mas estas não eram suficientemente boas para que pudesse enxergar com clareza aquilo que eu era.
E então me esqueci de como sou. 
A imagem que eu criei, eu mesma a destruí. 
E andei por todo o universo, sem um rumo, procurando algo, mas sem saber exatamente o que procurava, ou melhor dizendo, sem saber do que eu precisava naquele momento. Por onde ia, todos me olhavam horrorizados, e a cada cochicho, mais ódio queimava dentro de meu peito, e mais atacava aos inocentes, mal sabendo eu que almejavam me ajudar. 
Ouvia-0s descrever aquilo que me tornei, mas eu não acreditava. Emi minha mente guardei a luz de mim mesma, embaçada em um espelho d'água, e não podendo enxergar perfeitamente meu rosto, imaginava o que bem entendia, tendo como calúnias o que falavam de mim pelas costas. 
Até que, vagando por qualquer lugar, sem ter ideia de onde estava, me encontrei com uma criança. 
Ela era loura, tinha cabelos cacheados e feições angelicais, e falava suavemente. Desejei ser próxima a ela, mas ela se recusou. Me olhava horrorizada, e dizia "olhe só o que você se tornou ! Tenho vergonha de ti!", então pude entender o que estava acontecendo ali. A menina me desenhou em um de seus cadernos, e sua inocência fez-me enxergar um espelho de águas, em um rio por perto. Quando me aproximei, todos os seres vivos dali se afastaram, com medo de mim, e então olhei para mim mesma, e me vi pela primeira vez depois de tantos anos.
***
Depois de aceitar o que era verdadeiro, os trapos imundos que trajava se mancharam de sangue, escorrendo por todo templo de meu corpo, o sangue que tentei estancar quando ferida. Me senti humilhada por mim mesma, e néscia, tentei matar a mim mesma, ferindo a água, que volveu a mim, ferindo minha pele frágil. Todos os ferimentos antigos reabriram-se, a dor me envolveu dos pés a cabeça.
Mais do que tudo que pudesse sentir, eu tive vergonha. Todos me estavam olhando, perplexos, e culparam a água pela dor que senti. Outros, ainda, culparam meu sangue.
Claro que sabiam que a culpa era minha. Mesmo eu sabia. 
E tudo aquilo que um dia ignorei começou a gritar desesperadamente em meus ouvidos, atormentando todo meu ser. E, de dor, eu chorei. Desidratada, sangue escorria de meu olhar, e meus conterrâneos tiveram medo de mim. 
Mesmo angustiada, com uma dor sem fim, a cólera passou, como vento, e tudo que antes era escuro se tornou claro aos meus olhos, lavados pelo meu próprio sangue amargo, e ardia. Tanto ardia, mais eu chorava, tudo que eu mais queria era jamais haver possuído um passado, porque meu passado me humilhava.
Tudo aquilo que tentei atirar ao fundo da terra, voltou para mim, os cacos de meu antigo espelho se juntaram, minhas lágrimas sangrentas uniram suas partes, servindo como cola, e nunca me senti tão horrível. 
Meu corpo estava envolto em panos imundos, manchados de vermelho, com poeira em seu todo, e só então percebi que não estava calçada, mas em meus pés havia duas mantilhas enroladas, com um nó em cada tornozelo, de repente me toquei que aquilo estava doendo, tal como faixas que estavam amarradas em meus pulsos e pescoço, mas cada um deles escondia feridas.  Meu rosto estava realmente assustador, nunca estive pior. Sujo de terra, por tanto luto, por tantas vezes que eu me prostrei com rosto ao chão para honrar alguém que não vive. Me sentia extremamente fraca, porquanto sangue demais perdi, e muita sede em minha boca, tantos dias sem uma gota d'água, apenas lágrimas alheias.  
Minha cruz não pude suportar, e desisti dos meus caminhos. Esperava que a qualquer momento alguém viesse até mim para me sussurrar aos ouvidos que nada daquilo era real, que eu estivesse por acordar de um tenebroso pesadelo infantil, e que eu ainda estava viva. 
De fato, alguém veio me falar. Sim, a mesma menininha de antes, mas ela apenas confirmou meu maior medo. 
Não é um pesadelo, é real. E eu estava morta.
Desisti dos meus caminhos não porque fosse difícil, mas porque em meio a tantas escolhas erradas, perdi a mim mesma. E isso não foi agora. 
Tudo que quero é voltar a viver, mesmo que tenha de morrer para isso.
***
Só gostaria que alguém viesse até mim e me trouxesse novamente á vida.
Mas o dom da vida foi dado a mim. E poderia voltar a qualquer momento, mas queria uma razão para viver. 
Eu mesma me suicidei, e foi culpa unicamente minha, porque desisti.
Ninguém jamais me feriu a não ser eu. Fiz isso com todas as testemunhas possíveis, e a meu favor não existe uma só palavra.
***
Pelos meus dias de guerra, minha maior euforia foi destruir os mais belos sorrisos que me eram dados, meu coração se alegrava em enganar, sem existir uma só razão para tanta iniquidade guardada em uma só pessoa, mas agora posso ver o que sou de verdade : uma idiota, traidora, e mentirosa !
Enganei a muitos, e jamais foi encontrada em mim uma única ponta de curiosidade em saber seus sentimentos, fosse antes ou depois de mim. 
E a única pessoa a quem me importava havia sido ferida pelas minhas mãos, e somente após tê-lo feito, quis curar, por que sentia em mim aflição quando ouvia gritos de dor daquele que mais amava. Destruí meu anjo, e queria juntar seus pedaços com o próprio sangue que derramei. Ele afugentou-se de mim, com medo de se ferir novamente. 
Cada passo dado para o outro lado rompia uma parte de mim. Fui eu.
Tudo havia chegado ao fim, e que motivos tenho eu para prosseguir ?
Mas eu não poderia desistir daquilo que me era mais importante. Tentei, com o que restou em mim, me libertar de meu passado. No entanto, percebi tarde demais estar acorrentada à ele, impedindo-me de continuar.  Queria mais do que qualquer outra coisa correr até alguém que amava para restaurar o que um dia rompi com as próprias mãos, e me senti realmente frustrada por não conseguir dar um passo a frente. 
Desisti mais uma vez, e meu anjo se afastava cada dia mais, me deixando só com minha consciência. 
Não existe, até hoje, uma razão apenas para o que fiz. 
Apesar de ser falha, eu fui amada, e todo sentimento me foi entregue com pureza e sinceridade. Ganhei um coração de presente, mas, ao invés de também entregar o meu, estrassalhei o presente, esmagando-o com minha destra, e o cheiro do sangue apaixonado subiu às minhas narinas, ora, não me senti bem. Enjoei daquilo, e joguei-o no chão, pisando logo em seguida, e cuspindo-o. De meus lábios saíram todo tipo de horrores a esse respeito, ferindo, às friezas, meu anjo sombrio. 
Por quê eu fiz isso ? Não sei. 
Talvez por que sentia em meu peito bater o coração cada vez que meu amor se achegava a mim, e me sentia viva. Me sentia humana. Depois de tanto tempo com o pensamento de morte, não queria entregar meu coração à ele, não pensando que o dele batia, também, por mim. Eu o amava, e até hoje amo. Isso é para sempre.
Ele fugiu às pressas, e não pude acompanhar. Já não gozava minha companhia, não mais. Tudo que queria de mim era distância. 
***
Os céus se abriram, e em meu rosto fez brilhar uma resplandecente luz, depois iluminou todas as coisas horríveis que eu havia concretizado. Jamais senti em mim tanto remorço. 
E senti tamanho ódio de mim mesma, abri em meu templo enormes feridas, por que queria sentir toda a dor emocional transformar-se em dor física, pensando que seria melhor assim. Ora, não passou-me à mente que isso não iria ajudar em nada. 
Aquela luz levou tudo que havia em mim de bom, poucas coisas, mas delas nada restou, porquanto não merecia os próprios recursos, menos ainda talentos. Permaneci completamente imóvel, sem ter o quê fazer a partir dali. 
***
Corri até meu Anjo, mas ele fugiu. Gritei desesperadamente seu nome, mas ele tapou os ouvidos com as mãos. 
Me senti demasiado cansada, pois estava fraca. Olhei para o horizonte e o vi lá, indo embora. 
Tentei esquecê-lo, mas jamais consegui, pois toda a vida ele foi o mais especial sentimento que fez-se surgir em mim, e nada, jamais, poderia substituí-lo. 
Tentei reecontrá-lo,  mas ele escondeu- se de minha face. 
Gritei com toda força seu nome, por várias madrugadas à fora, senti pela primeira vez medo de ficar sozinha, e monstros me atacaram, tanto temor subia em minha espinha, como um arrepio, mais alto gritava seu nome, quando lembrei que eu, um dia, abafei teus gritos de terror, toda luz do universo brilhava em minha face. 
Mas agora me sentia amargurada, por tudo aquilo que, inconsequentemente, eu fiz contra ele, e decidi que não existia razões para ir sem ele. 
"Ande" - pensava eu, enganado a mim mesma - "vá em frente... E me odeie, se acaso isso te faz sentir melhor. E eu prometo que nunca mais ouvirei você gritar. Minta para mim, e não me imagine como algo bom em seus dias, como quem te ama, novamente, por que talvez eu tenha mais valor que isso" - mas eu sei que não valho absolutamente nada - "isso é responsabilidade minha, nunca mais baixar os olhos para contemplar o abismo (...)", embora saiba que meus pés não encontrarão o chão, logo poderei cair em um buraco escuro novamente. E encontrei dentro de minha infância meus próprios escritos, um deles referia-se a quando vi um alguém próximo se jogar do abismo. Mas este o escalou, fincando suas unhas em pedras, o sangue escorria, tal como um rio nascente de meus olhos quando contemplara a luz, mais uma vez. Assistindo a isso, meu eu criança escreveu a frase que ergue qualquer um - "nunca é tarde para recomeçar".
E, pela primeira vez em meus dias, me atrevi a direcionar meu olhar para o alto, e, embora o céu parecesse distante, eu podia vê-lo, e isso bastava. 
Ouvi a voz d'Aquele que me criou, chamando meu nome, dizendo "Eu te amo ! Volte para casa, filha ! Volte para mim !", e tudo tornou a fazer sentido, conquanto Ele mesmo me mostrou a Cruz, e me vi com uma chance, ainda, de restaurar a mim mesma, mas o primeiro passo é levantar.
Ele me tocou, e o templo de meu corpo parou de sangrar desenfreadamente como antes. Limpei meu rosto, nas águas em que fui refletida, e parei de chorar. Voltei a respirar, e ao colocar minha destra ao peito, senti algo único : meu coração voltou a bater ! 
"Estou viva !"
E disse o SENHOR : 
- Eu te perdoo ! Está restaurada, agora. - me abraçou bem forte, desejei jamais sair de Sua presença, pois é tão grande o amor que tem por mim, fácil de senti-lo apenas ao encostar meu ouvido em seu peito, e sentir que minha vida foi ligada a d'Ele, em um só coração.- Vá, e não erre mais. Conserte o que destruiu.
E eu fui. 
Corri o mais depressa possível, agora forte, restaurada pelo Amor em pessoa, e encontrei o Anjo sombrio, contemplando o lago das lágrimas daqueles que se humilham ao olhar-se a si mesmos, assim como eu, e ele estava sofrendo. Me joguei à seus pés, chorando, e o rio nascente de meus olhos serviu para lavar os pés dele, demonstrando respeito e submissão. Ora, ele assustou-se ai me ver.  E eu disse :
- Mostra-me o rosto, e faz-me ouvir tua voz, porque tua voz é doce, e o teu rosto é lindo ! - E ele retirou de sobre si o véu que usava para se esconder de mim, me chamou pelo nome para que eu me levantasse, e olhou em meus olhos quando pedi seu perdão. 
Enfiei minha mão direita no peito e arranquei de mim meu coração. O ato me deixou fraca e eu caí. Ele me segurou as mãos, e me pôs em pé, disse ele :
- Sim, eu te perdoo ! - Enfiou a mão abaixo da costela esquerda e me reentregou seu coração. Dessa vez, diferente da última, o coloquei no lugar do meu - mas não faça de novo. 
E me senti bem, mas a saudade de meu Criador veio, fazendo-me olhar ao redor, quando me dei conta de que Ele estava ali o tempo inteiro, e só pude dizer uma coisa :
- Obrigada, Pai, por não desistir de mim ! - me joguei à seus pés, em adoração, quando meu amado fez o mesmo, e vi luz descer sobre ele, ficando, também, restaurado de toda ferida passada.
***
Construir tudo que jamais foi feito pode ser fácil, mas reconstruir o que foi dizimado, é quase impossível.
Colocar uma vida no mundo é muito simples, ora, trazer de volta quem você mesmo matou é duro. Ambos são trabalho meu, agora, e eu - um dia perdi o gozo de viver - me sinto feliz, e sei que nasci de novo. Algo foi reconstituído em meu coração, que já não é mais meu, é de meu anjo, por isso o coração dele agora é meu, e vou restaurá-lo, também. E agora, os sorrisos destruídos serão desenhados novamente. Talvez não seja tarde. 
Nunca é tarde para recomeçar. 

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