O Espelho Lírico

2014, 1 de Janeiro, Santo André, São Paulo
Não me recordo de ter presenciado a chegada da noite do dia 31, apenas estava sentada em frente ao meu computador, tentando ter prazer ao jantar. Não, eu não estava contente com a virada do ano, afinal já passava da meia noite, e me era ainda possível escutar o estrondo dos fogos de artifício, enquanto alguns comemoravam gritando com os amigos em um bar qualquer, outros estavam abraçando-se e desejando coisas vazias, como "muita paz e saúde"... 
Alguns minutos antes, estava na festa com meus familiares, comendo e bebendo feito loucos, rindo como se o mundo fosse acabar. Eu ri, fiz brincadeiras sem a menor graça, e escandalosamente fingi muitas emoções que deveria estar sentindo. Mas, no fundo, me senti vazia. 
Para que serve tudo isso ?
Amanhã ninguém vai lembrar do momento de confraternização, todos vão brigar com a própria família logo, e tantos sofrem e ainda vão sofrer com o fim de ano. Assim como eu, muitos sangram por grandes perdas que jamais superam, e deve haver algum motivo para que as lembranças venham tão de repente em momentos "felizes"...
Não quero comida, não quero champanhe. Tudo que eu mais queria agora é minha mãe.
Ela, longe como está, talvez nem imagine a dor que estou sentindo, mas eu jamais vou esquecer de uma frase que ela me disse :
"Sempre haverá alguém que compreende a sua dor"
                                                                        ***
Saí do meio das pessoas quando estava a ponto de desmoronar, e me tranquei no banheiro. Ninguém notou minha ausência, bem sei que não faço falta.
Um grande período de tempo a olhar no espelho, vendo profundamente através de meus próprios olhos, enxergando através de cristais molhados, não pude compreender a própria dor.  Sei que existe alguém que entende, e talvez até sinta o mesmo. Porém, essa pessoa pode estar em outra época, muito distante de mim, tanto quanto a minha imagem imutável e refletida, e aquela imagem sou eu. 
Olhei através de meus olhos novamente, e tentei comunicar-me comigo mesma, quando a menina do espelho me olhou duramente e disse :"você é um fracasso".
O ódio por ela  ferveu, nada me impediria de mudar aquilo, e com um vacilo de emoções fortes indesejadas, machuquei a ela, quebrando sua imagem em tantas partes. 
Algo dentro de mim quis gritar naquele instante, e eu a ouvi sussurrar em meus ouvidos, "eu ainda estou aqui, e não adianta tentar me apagar, eu sou a mentira criada por você ontem, e isso não muda".
Pensei ter sacrificado à ela com o ato de redenção a mim, mas ela estava ali, em cada pedacinho de vidro, podia até sentir seus olhos frios me seguirem em cada passo desesperado dentro daquele cubículo que me causava claustrofobia, meu sangue tentando traspassar o chão, gritando de terror por conta daquela que me observava.
                                                                 ***
Ninguém havia notado que eu não estava lá. Talvez nunca notassem. 

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